Acho que me esqueci de mim

terça-feira, 22 de outubro de 2019



Acho que me esqueci de mim.

"Acordei, vesti-me com uma pressa danada, nem me olhei bem ao espelho. Comi meio a dormir meio acordada. Comi o de sempre, algo com café, que é para dar energia para enfrentar o dia que vem aí. Olho para o relógio vezes infinitas, não vá o tempo fugir sem eu dar por ela - e foge. Pego na bagagem de todos os dias, que me pesa incessantemente, para além dos pesos que já carrego dentro de mim, e saio para a manhã nua e calma, mas que eu não tempo para sentir. Nem dou conta se está frio ou se não está frio, mesmo se estiver, tenho tanta pressa que me esqueço. Tenho que apanhar os transportes para não chegar atrasada, tenho que me fazer ao caminho para não apanhar trânsito de outros tantos que estão como eu. Dou o bom dia a toda a gente, com o sorriso matinal que consigo arranjar. Sujeito-me às minhas tarefas de todos os dias, mesmo que não goste do que faça, já nem sei distinguir. Tento ser amável para toda a gente, mesmo que esteja de mau humor e só me apeteça hibernar, eu esforço-me. Ando numa luta contra o relógio, como sem dar muita importância ao que realmente como, e volto para outra volta de tarefas. Ser amável. Sorrir. Olhar para o relógio. Saio já à tardinha, e reparo que só o facto de me ter safado da parte chata de hoje já me mete mais alegre, e reparo que as outras pessoas também estão como eu. Chego a casa, e atiro o peso para cima do sofá. Permito-me parar por 5 minutos. Ok, agora está na hora de pensar o que vai ser o jantar. Preparo o jantar sem grandes pormenores, mais a discutir com os ingredientes do que a fazer um poema culinário. Sorrio para a minha família. Por vezes descarregamos uns nos outros, tal é o peso do dia a dia que ainda trazemos. A casa é sempre uma confusão, barulho aqui, barulho ali, televisão alta, luzes todas ligadas. Tomo um duche para aliviar um pouco a pressão que os dias me trazem, visto o pijama e mergulho na cama. Amanhã farei tudo novamente."

Esqueci-me de me namorar ao espelho, de fazer o meu pequeno-almoço preferido, de me permitir sentir a calma de cada manhã, de ser tão amável comigo como me esforço para ser com os outros. Esqueci-me do que é viver sem olhar para o relógio. De viver devagar. Esqueci-me de saborear cada refeição que ofereço ao meu corpo. Esqueci-me de me perguntar o que gostaria de fazer para ganhar a vida, no que gostaria de despender a minha energia. Esqueci-me de fazer qualquer ritual de relaxamento - tomar um banho quente, ler, dormitar, cozinhar com amor. Esqueci-me de viver o presente com a minha família. Esqueci-me.

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  1. Revi-me imenso neste texto. No outro dia comentei com o meu melhor amigo que cheguei ao trabalho e tive uma branca: não sabia como tinha chegado ali. Não me lembrava de ter-me vestido, comido, saído de casa, muito menos a viagem até ao trabalho. Às vezes, a rotina consome-nos de tal forma que nos esquecemos de tudo, principalmente de nós e de viver. Andamos tão focados no que temos de fazer pelos outros e no trabalho que esquecemos o que queremos fazer por nós e o que precisamos. É tanto que nem ao fim de semana ponho o pé fora de casa. Aproveito para descansar e ao mesmo tempo, parece que nada descansei. É horrível, mas só nós podemos mudar isso. Que ótima partilha Joana! Obrigada <3

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  2. Tive saudades de te poder ler e vim fazer-te uma visita! E recordar!
    Espero que nunca te esqueças de ti e espero ainda mais que te sintas feliz e que continues a escrever, porque as tuas palavras sempre foram um abraço casa.
    Um beijinho enorme!

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