A realidade crua e nua

quinta-feira, 16 de maio de 2019



O amor verdadeiro começa lá onde não se espera mais nada em troca. Antoine de Saint-Exupéry\♥/

Que fique bem claro isto: sou uma pessoa sensível, daquelas que quando vê sangue cai para o lado e que fica com pele de galinha a ouvir Freddy Mercury. Sou uma Maria Madalena, chorona com tudo, coisas felizes e menos boas também, desde filmes (não têm que ser necessariamente românticos) a abraços que duram tanto como uma brisa de Verão.
Vocês estão a ver o que quero dizer.

Desde que comecei a namorar com a pessoa que anda hoje comigo de mão dada para todo o lado, tenho derramado lágrimas, tenho crescido muito e tenho visto um mundo que sempre existiu mas que me estava oculto.

O meu namorado é uma pessoa tão ou mais sensível quanto eu - embora eu exagere e o demonstre (muito) - e tem um vínculo muito forte para com a natureza, foi com ele que aprendi a mexer na terra, a conviver com outros seres, a conhecer outros lugares, a lidar e respeitar a vida natural. O João está ligado à caça, à agricultura e à criação de animais desde cedo, foi aprendendo com os avós no Alentejo, e acho que a alma dele pertence a este vínculo que tem com a Mãe Terra.

Eu sei que este termo - a caça - ainda não é aceite por aqui, aliás, não é compreendido. No início houve uma luta interna em mim por ter uma pessoa de quem gostava tanto mas que, ao fim e ao cabo, estava ligado à caça. Com toda a paciência e amor que teve, o João explicou-me e fez-me ver que não devo julgar o que não compreendo, devo questionar-me o porquê de existir tal feito e, depois, tirar as minhas conclusões. Eis que começo a interiorizar um dos mantras que trago comigo até hoje: Não odeies o que não compreendes.
Explicou-me que os verdadeiros caçadores, são quem fazem com que os ecossistemas fiquem em equilíbrio, são respeitadores ao ponto de serem estudados todos os habitats, períodos de acasalamento e outros tantos, idade média de cada ser vivo e toda uma gama de informações. Ele explicou-me que há caçadores que transportam animais de um lugar para outro, para que haja um "repovoamento" daquela espécie, que monitorizam sempre a vida selvagem em prol de todo o ecossistema, para que este viva em equilíbrio. Há caçadores e caçadores, há os que matam por desporto, e os que têm respeito pela vida e pela natureza. Decerto já viram no jornal de notícias centenas de agricultores que ficaram sem o gado, sem o seu único sustento, devido a javalis, saca-rabos, raposas, lobos e outros predadores. Tudo isto porque a caça se tornou proibida. E, para deixar de existir esta monitorização, para deixar viver uns, outros tantos morrem (muitos mais). Mas isto é um modo de ver que apenas quem vive do campo aprende a ter, e quem se questiona e interioza isto a fundo, ao fim de algum tempo, consegue ter. Não estou aqui a tentar impingir este modo de ver as coisas, estou apenas a contar-vos a minha aprendizagem, o mundo oculto que estava à minha frente e que eu não sabia e não compreendia.

Esta tarde, uma colega da minha mãe contou-me que o peixinho lá de casa morreu e que deu com a filha mais nova a chorar na casa de banho porque não conseguia meter o peixe pela sanita abaixo. Eu automaticamente pensei: caramba, eu era assim! Era. Ao longo destes anos encarei a morte de tantos seres por ter começado a conviver com eles. Por cada pintainho que morria numa ninhada (e morrem muitos, é a lei da sobrevivência, apenas os mais fortes sobrevivem) eu chorava e não conseguia enterrá-los. Hoje, já acompanhei tantos nascimentos que sei que, de dez pintos talvez fiquem uns cinco. Já vi todas as nossas galinhas serem mortas devido a raposas e cães selvagens, e muitas delas tivemos que as abater por não as conseguirmos salvar. Já cuidamos de galinhas que estiveram à beira da morte, mas que conseguimos curá-las com dedicação, paciência e tempo.

Todo este ciclo da vida natural é tão cru e tão nu que parece que nos tira muitos fôlegos até começarmos a entender que é assim. Que a morte existe e que a vida também.
Todo este ciclo existe, é cru mas não é nu para toda a gente. É-nos omitido este mundo oculto. Que tem tanto de belo como de horripilento, mas que é natural.

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  1. Gostei tanto deste "abre olhos "! Está tão bem escrito a um ritmo que nós permite refletir bem sobre o tema que debateste. Já agora esse mantra é divinal. Parabéns 😊
    Beijinhos,

    https://sobomeuolhar7.blogspot.com/?m=1

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  2. De uma pessoa que cresceu no campo e vive com a realidade da caça bem de perto, só posso dizer que adorei o teu texto. De facto as pessoas falam muito do que não conhecem e isso não significa que não podem ser contra, apenas que se deviam informar um pouco mais.

    Beijinhos,
    www.yellowrain.pt

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    1. Eu era tão assim, a pessoa de julgar as situações que me eram sorrateiras e que nunca me deram a conhecer. Ainda hoje me deparo com situações que não compreendo acerca desse mundo, ainda estou a aprender

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  3. Gostei muito da tua publicação, pois fizeste com que eu refletisse um bocado sobre este tema da caça... E, embora ainda não simpatize com o mesmo deste-me uma outra perspetiva, afinal é como tudo na nossa vida, há pessoas e pessoas.

    A forma como tu falas e descreves a vida é muito parecida com a forma como eu a vejo. E ler-te tranquiliza-me :)
    Beijinhos

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    1. Grata por teres lido esta minha visão sobre o mundo de mente aberta, querida Mary! E fico contente em saber que encontras refúgio e te espelhas em palavras minhas 💛 obrigada por me leres

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  4. Explicaste na perfeição aquilo que tenho pensado algumas vezes!

    Não é que eu seja a favor nem contra o veganismo, não é essa a questão.

    Mas o facto de o sofrimento dos animais, tal como o nosso, ser inevitável, mesmo dentro da própria natureza, sem a nossa intervenção, por ser o suceder natural do decorrer das vidas de todos os animais.

    Aquilo que não concordo e me revolta imenso são os locais onde, sem liberdade, sem condições dignas de viver, maus tratos e outras tantas formas de violência, me chocam, como as touradas, os matadouros e tudo quanto seja para consumo humano, que é (quase) sempre excessivo. Cria-se e mata-se mais do que aquilo que se vai consumir. Sujeitam as pobres criaturas a sofrimentos desmedidos. E isso, sim, revolta-me imenso!

    No entanto, não podemos impedir que as cadeias alimentares dentro da natureza mudem. Até porque os animais caçam-se apenas com o intuito de sobreviver. Caçam de forma «consciente» ainda que de consciente nada tenha. Mas sabem geri-lo melhor que o Ser Humano.

    Enfim, espero que a nossa forma de ver as coisas vá mudando para que o mundo melhore, e para que seja diminuído (ou abolido mesmo, mas parece quase uma utopia, infelizmente) todo o sofrimento brutal a que o Homem sujeita os animais.

    Um beijinho, querida Joana *

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